UtupiAR: é urgente!

quarta-feira, março 29, 2006

2 de Março - quinta-feira



No Centro Cívico Can Basté está a decorrer desde Fevereiro, todas as quintas às 21h30, um ciclo de cinema gratuito que me parece bastante interessante. Chama-se “Habitar a cidade” e no panfleto de divulgação podemos ler algo como: “Uma vez mais, o cinema e o documental convertem-se numa forma de ver a realidade através dos problemas sociais. A especulação, a dificuldade para ter ou manter uma habitação digna, a necessidade dos vizinhos e vizinhas em associarem-se para poderem defender os seus direitos, o direito de defender o uso social e comunitário dos espaços da cidade... São realidades que se reproduzem desde há muitos anos através de diferentes disciplinas artísticas e claro, através do cinema. Este ciclo convida-o, então, a conhecer como se habita a cidade e a pensar sobre ela.”. Claro que fiquei entusiasmadissima e fui ver o documentário “En Construcción” sobre o bairro do Raval.
Apesar do documentário ter a maior parte das falas em catalão (o que fazia com que não percebesse tudo) estava a gostar. Tive pena que uns problemas técnicos tivessem ocorrido e nem sequer o filme até ao fim pudéssemos ver.
Era sobre a construção de um novo imóvel no bairro do Raval e o que isso implica no dia-a-dia das pessoas que habitam no bairro e que vêm e sentem toda essa destruição e construção de perto. É que quando há uma mudança da paisagem urbana também há mudança da paisagem humana. As pessoas falam sobre a obra, as suas casas enchem-se de pó, os miúdos brincam com tijolos e outros materiais de construção, trabalhadores e habitantes do bairro enamoram-se... Todo este quotidiano mostrado de uma forma sincera e transparente é nos “contado” no filme.
O edifício ficará por 800 mil pesetas e vão vendê-lo por 20 milhões, ouve-se reclamar uma das personagens. E de facto é o que acontece. O negócio, o dinheiro, é que está sempre em jogo, é o mais importante. É assim nas sociedades capitalistas. O capital passa a ter mais valor que o ser humano. O markting e outras técnicas de relações públicas fazem com que muitas vezes acreditemos que multinacionais, empresas de construção, entre outras, agem por boa vontade e tudo para melhorar as condições de vida de todos. No entanto, desde o inicio, desde o plano de projecção, seja de uma urbanização, seja de um projecto cívico, até à sua execução e avaliação, as pessoas são postas de lado, as pessoas que vivem no local, as pessoas que sabem melhor do que ninguém das suas necessidades... Mas não, as coisas são feitas de cima para baixo, são apresentadas às pessoas sem qualquer tipo de ideias delas incluídas, ou pior ainda, são impostas às pessoas.
Será que, por ex, esta destruição de uns prédios degradados para dar lugar a um imóvel de luxo não é uma imposição para as pessoas que sempre lá viveram?
A mim custa-me que se alterem coisas, que se construam estátuas, que se façam alterações, que se coloquem ou retirem ecopontos, etc. etc., sem as pessoas que vão usufruir ou não dessas coisas digam da sua justiça. Porque raio é que hão-de colocar aquela estátua ou não outra? De certeza que não é porque as pessoas que vão ter que vê-la todos os dias a preferem em vez de outra, mas talvez porque é obra de um escultor famoso a quem a câmara não quer recusar trabalho, ou é filho do presidente da câmara, ou alguma empresa com fortes ligações com a câmara está a fazer pressão para, ou, ou, ou, tanta coisa pode ser...
Os bairros, com tudo o que lhes compete - ruas, praças, jardins, edifícios, escolas - pertencem às pessoas que nele habitam. E pertencem-lhes seja de uma forma individual como colectiva. As pessoas sentem o bairro como seu. Colectivamente, reúnem-se, discutem sobre os problemas e necessidades do seu bairro, organizam actividades, sob a forma de associações de moradores, comissões de festas.... Aqui em Barcelona, então, parece que estas associações e colectivos estão em peso e são bastante participativos e colectivos. Há então que devolver os bairros e as ruas às pessoas, pois a sua gestão, as decisões importantes e modificações estão a ser feitas sem se ter verdadeiramente em conta a opinião dos moradores.

Esta situação faz-me lembrar a Avenida dos Aliados no Porto, que está a ser destruía à rebelia de alguns cidadãos e sem tod@s serem devidamente informados. É mesmo uma vergonha. É que se trata de uma praça com grande importância para muitas pessoas (se não mesmo a mais importante), faz parte da história da cidade, tem uma carga emocional bastante forte para muitas pessoas (principalmente as mais velhas).. É nela que se celebram vitórias, que se fazem manifestações, que se passeia.... E sem consultarem verdadeiramente os cidadãos, vão alterá-la quase completamente. Não deveriam ser os cidadãos do Porto os primeiros a dizer se concordam ou não com essas alterações? Mas não, um arquitecto famoso como o Siza Vieira faz um projecto, é aceite, e já está! Quando digo consultar verdadeiramente os cidadãos faço-o porque apesar da câmara dizer que enviou cartas via postal a informar do que se iria passar, muitas das pessoas afirmaram não ter conhecimento do que se iria passar. Apatia dos cidadãos? Mas não deveria ter a câmara (supostamente) um papel facilitador neste ponto e não deixar que isso acontecesse? E nas assembleias abertas da câmara (desculpem, mas não sei o termo “técnico”), como explicam que várias pessoas fiquem de fora da discussão, ou porque não houve tempo para as ouvir, ou porque não se inscreveram para falar porque simplesmente não sabem escrever, ou porque já é a 3ª vez que lá vão e não vêm nenhum progresso sobre o assunto que a câmara prometeu prestar atenção?
Cada vez mais, acho que os órgãos camarários, por muita boa vontade que tenham algumas das pessoas que neles trabalham, têm uma estrutura muito vertical e acabam por se perder com tantas burocracias e a não dar a devida resposta aos pedidos das pessoas. Aliás, o problema, na minha opinião, é exactamente esse de ter que se dar resposta aos pedidos das pessoas, em vez de serem elas próprias a resolver os seus problemas, com a devida orientação, claro está. Explico melhor, tal como há ou já houveram durante vários anos, associações de moradores, associações culturais, ateneus populares, comunidades com bastantes pessoas, geridas pelas próprias pessoa de uma forma horizontal, transparente, onde a opinião de cada um valia o mesmo, também poderia existir o mesmo tipo de gestão em câmaras e outros organismos “tidos” como mais importantes. As pessoas devem ter uma participação forte na organização da sua rua, do seu bairro, da sua cidade, quanto mais não seja, devem ser plenamente informadas, e a tal participação fortemente incentivada. Pode parecer utópico, mas é só uma questão de se caminhar para lá em vez de por outros caminhos. Veja-se o caso do orçamento participativo que já começa a ser implantado nalgumas câmaras, como a de Palmela. Claro que é um processo mais demorado, mas mais rico, e mais justo, claro, e por isso o esforço deve ser tido.
Pior pior, e já que falamos de factos, é quando as pessoas quererem participar e contribuir, não o deixarem, ou não o facilitarem. Quando as pessoas sentem que estão a destruir algo que é delas, quando sentem que afinal aquilo não é delas (porque alguém destrui sem pedir autorização), quando as suas reivindicações são em vão, cada vez querem participar menos. Acontece isso no Raval, acontece no Porto, acontece, infelizmente, em várias partes do Mundo.
No entanto, há imensas iniciativas que surgem para contrapor essa situação. Ora iniciativas mais organizadas e estruturadas como as que vêm das associações de moradores e vizinhos que continuam a esforçar-se, ora movimentos cívicos criados especialmente para “combater” algo em especifico (como a Plataforma “Pelos Aliados” no Porto ou o movimento contra o AVE – comboio de alta velocidade Madrid/Barcelona – em Barcelona), ora movimentos mais espontâneos - muitas vezes chamados, e tão bem, de coincidências organizadas - (como o movimento Okupa, o movimento “Reclaim the street”, a Massa Crítica...).

">
(<$BlogItemCommentCount$>) comments